Diagnóstico
Hoje em dia as salas de aula tendem a ser um espelho daquilo que se vai passando na sociedade, tanto de positivo como de negativo, com predominância para a negatividade, que mina as relações, tanto consigo próprio, como com os outros. Há um leque de condições que influenciam negativamente as famílias, onde se incluem as crianças e jovens, como por exemplo desemprego, dificuldades financeiras, divórcios, doenças físicas e mentais, depressões, vícios, dependências e violência sob várias formas, entre outras.
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Alunos e professores carregam consigo para a escola as experiências e vivências do seu quotidiano, tornando-se muito difícil que estas não condicionem o que se vai passando dentro da sala de aula. Aliado a estas condições está o stress enfrentado tanto pelos alunos, assim como pelos professores e pelos pais, que se debatem diariamente com tensões e preocupações decorrentes, frequentemente, da pressão que se vive no ambiente escolar, demasiado orientado para o sucesso educativo. Nas salas de aula os alunos estão mais desatentos, desconcentrados, desmotivados, sem gosto pela aprendizagem, o que leva a que os professores se sintam também eles próprios desmotivados relativamente à profissão e tensos nesta relação com os alunos e com os pais. Os problemas comportamentais aumentam e consequentemente a violência, seja ela física ou verbal, tende também a aumentar. A qualidade das aprendizagens decai, originando fracos resultados académicos e proporcionando um sentimento de ansiedade e de mal-estar geral.
Além disso, os adultos estão sempre a dizer às crianças para prestarem atenção mas nunca lhes ensinam como isso se faz [nem elas sabem!]. O ritmo instável do mundo moderno, as múltiplas tarefas para realizar, as distrações que diariamente bombardeiam as mentes dos mais pequenos (e dos crescidos também…) como os telemóveis, a internet, a televisão,… tornam ainda mais difícil que consigam estar conscientes das suas ações físicas, verbais e mentais. Tal como diz B. Allan Wallace, vivemos no mundo do défice de atenção e hiperatividade.
Que terapêutica?
O interesse pelo conceito de mindfulness no Ocidente teve início, em 1979, com o trabalho de Jon Kabat-Zinn, ao aplicar práticas de mindfulness com os seus pacientes, para minimizar os efeitos das doenças e dores crónicas, no seu programa de MBSR (Mindfulness-Based Stress Reduction), redução do stress baseado em mindfulness. Kabat-Zinn (2003) define mindfulness como a consciência que emerge ao prestar atenção intencionalmente, no momento presente e sem julgamentos, à experiência que desabrocha. A primeira parte desta definição exprime a ideia de ser um processo ativo, uma vez que envolve um acto de atenção consciente; a segunda parte realça que diz respeito ao presente, em vez de se ligar ao passado ou ao futuro; a terceira parte enfatiza a aceitação do que surge, sem pensar se é bom ou mau, certo ou errado, importante ou não (Hooker e Fodor, 2008).
O conceito de mindfulness experimenta atualmente uma enorme popularidade no mundo ocidental, com especial destaque para os Estados Unidos da América, mas esta tendência está já a alargar-se a muitos outros países. Cientistas e académicos têm demonstrado o seu crescente interesse por este conceito e proliferam os estudos, teses e publicações sobre as mais diversas aplicações que o mesmo pode assumir, desde o campo da saúde e da justiça, até à política e à educação, debruçando-se também esses estudos sobre os potenciais impactes que a prática de mindfulness pode ter na vida das pessoas.
Prova desta expansão é o Mindfulness Research Guide (Black, 2010), uma base de dados referencial que agrega as publicações produzidas nos últimos quinze anos na área de mindfulness. Como refere Burke (2010), a crescente investigação acerca da utilização de mindfulness com adultos sugere que se revela eficaz na promoção da saúde mental e do bem-estar. Este interesse nas abordagens baseadas em mindfulness estende-se agora às crianças e adolescentes, embora a investigação esteja ainda numa fase preliminar. De acordo com a mesma autora, a atual base de investigação fornece suporte para a viabilidade de intervenções baseadas em mindfulness com crianças e adolescentes, embora não haja evidências empíricas generalizadas sobre a eficácia destas intervenções.
Uma meta-análise efetuada por Durlak et al. (2011) sobre 213 estudos científicos, conclui que os programas de aprendizagem socio emocional têm efeitos positivos nas atitudes em relação a si próprio, aos outros e à escola, configurando-se como um caminho essencial para a promoção da saúde e bem-estar dos jovens. Muitos desses programas incluem práticas contemplativas, tais como as de atenção plena.
A revisão de literatura efetuada por Burke (2010) aborda intervenções baseadas em práticas de meditação mindfulness e a sua aplicabilidade a crianças e adolescentes, nomeadamente Mindfulness-based Stress Reduction e Mindfulness-based Cognitive Therapy. Estas intervenções incluem sessões semanais em grupo, prática regular em casa e práticas formais (meditação sentada e em movimento, por exemplo) e informais, sendo que nestas últimas o objetivo é que os participantes tragam a sua atenção conscientemente para atividades diárias (por exemplo: comer, tomar banho, lavar os dentes, etc.). Recomenda-se que as sensações físicas do corpo e da respiração sejam utilizadas como «âncoras» da atenção, quando a mente se dispersa.
Todas as publicações revistas por esta autora sobre a aplicação de intervenções baseadas em mindfulness debruçam-se sobre práticas contemplativas seculares, em amostras clínicas e não-clínicas de crianças e adolescentes, desde o pré-escolar ao ensino secundário (dos 4 aos 19 anos). A autora verificou que todos os estudos investigaram a viabilidade e aceitação das intervenções, concluindo que foram aceites e bem toleradas pelos participantes. Verificou-se também a importância de os programas de intervenção serem adaptados à idade dos participantes, tendo em conta as suas capacidades e necessidades, assim como a importância de os professores se envolverem e beneficiarem eles próprios de atividades baseadas em mindfulness, para que as intervenções sejam mais eficazes.
Os resultados dos estudos indicam também que os exercícios de mindfulness, desde que apropriados à idade, são passíveis de ser utilizados com crianças, mesmo durante o período pré-escolar, e que esses exercícios podem promover o desenvolvimento saudável da autorregulação, o que tem implicações no desempenho escolar e no desenvolvimento social e emocional (Zelazo e Lyons, 2011).
Greenland (2010) diz que quando praticamos mindfulness vemos a vida claramente, tal como ela acontece, sem carga emocional. Aprendemos a fazê-lo sentindo o momento presente, sem o analisar ou pensar acerca dele, o que exige que aquietemos os nossos pensamentos, emoções e reações. Desta forma poderemos receber a informação proveniente do mundo interior e do mundo exterior e vê-la claramente, sem os filtros das nossas noções preconcebidas. Também Schoeberlein (2009) define este construto como a capacidade de estar presente com e para a sua experiência interior assim como para o ambiente exterior, incluindo os outros.
Greenberg e Harris (2011), na revisão que fizeram do estado da investigação de práticas contemplativas com crianças e jovens, verificaram que as intervenções que estimulam a atenção plena podem ser métodos eficazes para tornar crianças e jovens mais resilientes e que também poderão ser úteis no tratamento de desordens clínicas.
Numa revisão mais recente sobre catorze programas de mindfulness em contexto escolar (Meiklejohn et al., 2012), os autores concluíram que os alunos que frequentaram os mesmos beneficiaram nos planos cognitivo, social e psicológico.
Concluindo
Todos os estudos na área do bem-estar documentam que as nossas vidas aceleradas e em piloto automático estão diretamente relacionadas com o incremento de casos de depressão e perda de autocontrolo.
Os neurocientistas têm demonstrado que o nosso cérebro é “moldável” e que esta plasticidade cerebral é maior durante o período de crescimento das crianças, por isso fornecer-lhes ferramentas que as ajudem nesta fase da vida a compreenderem-se melhor a si próprias e aos outros e a obter um maior bem-estar pode ter um maior impacte no seu bem-estar e saúde mental no futuro, na idade adulta.
Perante todas as evidências que a ciência tem demonstrado, é imperativo despertar desde cedo a dimensão ética do ser humano, mediante o desenvolvimento de qualidades como a empatia e a compaixão, a consciência e a introspecção.
Paradoxalmente, apesar do reconhecimento pelas mais diversas instituições que o desenvolvimento de competências socio emocionais e que o desenvolvimento da atenção e da concentração mediante a aplicação de técnicas de mindfulness poderão ter um papel preponderante no bem-estar geral dos indivíduos, apenas se têm dado pequenos passos neste sentido, em contexto educativo, por parte daqueles que gerem as políticas educativas. Há que apostar fortemente na formação inicial e contínua de professores neste âmbito, assim como criar comunidades de prática, que envolvam alunos, professores, pais, técnicos especializados e auxiliares de educação, de forma a constituírem-se redes de apoio e de partilha onde todos sintam que estão a desenvolver o seu potencial e a ajudar os outros a fazer o mesmo. Há ainda, portanto, um longo caminho a percorrer!
Bibliografia
BLACK, D. S. (2010), Mindfulness Research Guide (MRG) [obtido em 30 de Junho de 2014, de http://www.mindfulexperience.org/].
BURKE, C. A. (2010), «Mindfulness-Based Approaches with Children and Adolescents: A Preliminary Review of Current Research in an Emergent Field», in Journal of Child and Family Studies, pp. 133-144.
DURLAK, J. A.; WEISSBERG, R. P.; DYMNICKI, A. B.; TAYLOR, R. D.; SCHELLINGER, K. B. (2011), «The Impact of Enhancing Students’ Social and Emotional Learning: A Meta-Analysis of School-Based Universal Interventions», in Child Development, 82, pp. 405-432.
GREENBERG, M. T.; Harris, A. R. (2011), «Nurturing Mindfulness in Children and Youth: Current State of Research», in Child Development Perspectives, 0, pp. 1-6.
GREENLAND, S. K. (2010), The Mindful Child, Nova Iorque, Free Press.
HOOKER, K. E.; FODOR, I. E. (2008), «Teaching Mindfulness to Children», in Gestalt Review, 12 (1), pp. 75-91.
KABAT-ZINN, J. (2003), «Mindfulness-Based Interventions in Context: Past, Present and Future», in Clinical Psychology: Science and Practice, 10, pp. 144-156.
MEIKLEJOHN, J.; PHILLIPS, C., et al. (2012), «Integrating Mindfulness Training into K-12 Education: Fostering the Resilience of Teachers and Students», in Mindfulness, pp. 1-17.
SCHOEBERLEIN, D. (2009), Mindful Teaching and Teaching Mindfulness. Somerville, Wisdom Publications.
ZELAZO, P. D.; LYONS, K. E. (2011), «Mindfulness Training in Childhood», in Human Development, 54, pp. 61–65.
Por Fernando Emídio
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